O disco Jóia, de Caetano Veloso, chegou-me às mãos, pela primeira vez, e em vinil, a 30 de março de 1988. Disco minimalista, experimentalista (embora não à maneira de Araçá Azul), Jóia é um momento marcante no meu crescimento caetaneano, digamos assim. Jóia sempre me impressionou, muito mais do que Qualquer Coisa, o disco saído na mesma altura, espécie de complemento de Jóia, ou Jóia complemento de Qualquer Coisa... O ouvinte que decida. Para além de ser um trabalho de enorme sensibilidade, de rara beleza, inspiradíssimo até ao tutano, Jóia ficou marcado pela ditadura militar, devido à censura imposta à capa e contracapa originais. A capa mostrava a família de Caetano (ele, o filho Moreno e a mulher Dedé) desenhados pelo próprio, mas completamente nus. Nem mesmo a inclusão de pombas nas partes mais escandalosas do desenho foram suficientes para acalmar os censores, pelo que a capa saiu apenas com as ditas pombas. Na contracapa, o mesmo problema, agravado por não ser um desenho, mas uma fotografia da família Veloso totalmente nua. A solução encontrada passou, logicamente, por mais pombas... Só mais tarde, quando a censura terminou, se voltou à capa e contracapa originais, que aqui são reproduzidas na sua inteira beleza original, ou quase, visto que as pombas nunca desapareceram do desenho da capa, estando, como se vê, estrategicamente colocadas. Mas Jóia é muito mais do que esse episódio censurável. É um punhado de canções elegantes e eternas, como Minha Mulher, Lua, Lua, Lua, Lua, ou Canto do Povo de um Lugar. Canções de acentuado experimentalismo, melodiosas e serenas como Guá, Asa, Pipoca Moderna, ou Tudo Tudo Tudo. Mas é mais ainda: é Pelos Olhos, Na Asa do Vento, Gravidade e Help (de Lennon e McCartney), apenas ao som do violão de Caetano. A canção que fecha o disco é um samba, que parece, aparentemente, nada ter a ver com o resto do disco. Mas fica bem onde está, no fim, com os versos de Oswald de Andrade "no pão-de-açucar/ de cada dia/ dai-nos, Senhor/ a poesia de cada dia".
Ando a ouvir Jóia pela enésima vez, redescobrindo-o com a surpresa e o espanto da primeira. É bom sinal. Muito bom sinal.
(capa permitida pela censura)
(capa censurada)
(contracapa censurada)