segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Estação terminal


Com estas breves linhas deixo 2007 para trás. O ano que daqui a pouco termina não me deixa boas recordações. Por isso não perco tempo em mencioná-las...
O facto de estarem vivas as pessoas que mais amo, alguns amigos perdidos no tempo, mas reencontrados neste último trimestre, este blog, e pouco mais me interessa agora destacar como positivo. Parece pouco, mas a verdade é que tudo o que referi tem um valor incalculável para mim.
Resta-me apenas agradecer e desejar a todos os que passaram por aqui, um Bom Ano de 2008. Um ano onde aconteça aquilo que mais desejamos. Um ano que nos permita viver a alegria que merecemos. Até para o ano.

domingo, 30 de dezembro de 2007

Poema

Se eu fosse poeta
os versos seriam
rosas por abrir
libertariam aromas
os meus versos
e esconderiam sentidos
por existir

Mas nunca serei poeta
apenas alguém
que faz das palavras casa
frágil casa sem estrutura
e a um passo
de ruir

sábado, 29 de dezembro de 2007

It's all about flying saucers, ridiculous plots and bad acting


De volta ao cinema... Não é muito normal ocupar espaço neste blog com referências a filmes, mas estive ontem à tarde a ver um clássico! Trata-se de Plan 9 From Outer Space (1959), filme pertencente à categoria dos so-bad-they're-good movies. O realizador é Ed Wood, pois claro. Por lá andam Bela Lugosi, Vampira, Tor Johnson e Paul Marco, entre outros. Aquele que é por muitos considerado o pior realizador de sempre da história do cinema, tem neste filme a sua obra-prima. Tudo gira à volta de seres de outro planeta que ressuscitam mortos (em formato zombie) para tentarem impedir os humanos de criar solaranite, espécie de bomba solar que destruiria todo o universo. Pelo meio há um ou outro vampiro, não se sabe bem porquê! Na caixa dos dois dvds (com seis filmes de Ed Wood e algumas entrevistas sobre a vida do excêntrico realizador que adorava roupa feminina feita de angorá) pode ler-se The Ed Wood Collection - A Salute To Incompetence. E é disso mesmo que se trata. Incompetência em filmes de culto!
Que tarde bem passada!

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Poema


Um verso
para dizer
toda uma vida
um verso
apenas
que tudo diga
uma palavra
que espelhe
a distância
desmedida
entre o ponto
de partida
e a dura
linha
da meta
um só verso
uma só palavra
na existência
do poeta

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Have you ever been in Fleet Street?


Já é oficial: o último filme de Tim Burton chega a Portugal a 31 de Janeiro de 2008. Como (quase) sempre, conta com a companhia de Johnny Depp, Helena Bonham Carter e o grande Christopher Lee. Sweeney Todd é um anti-herói, um vilão, um serial killer que faz uso da sua navalha para cortar as gargantas dos clientes da sua barbearia. Esta adaptação do thriller musical de Stephen Sondheim conta-nos a história de um homem que jura vingar-se da injustiça que lhe foi cometida. Esteve preso, foi torturado e a sua família (mulher e filha) sofreram consequências devastadoras... De regresso a Fleet Street, rua onde trabalha na sua barbearia, as navalhas estão mais afiadas do que nunca!!!
Se quiserem mais uma razão para a rápida chegada de 2008, aqui está ela.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Traços em silêncio


O que mais queria era que tudo passasse rapidamente. Que tivesse a leveza de todos os outros dias do ano, que se cumprisse em duas penadas, dois traços, gestos breves e sucintos. Que tivesse a simplicidade de um desenho de criança. Estava cansado. E o cansaço é terrível, quando anoitece. Desejava os braços da mãe, perdida na memória do tempo e das noites de Natal. Essa mesma noite que agora custava tanto a passar. Todos se riam à sua volta, falavam alto, erguiam taças à eternidade do momento. E ele, timidamente, guardava no silêncio dos desejos as vontades impossíveis de realizar...


*esta imagem foi retirada do site http://aspartesdotodo.blogspot.com/

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Poema das estrelas verdadeiras de Natal

Hoje
quando a noite
nos tingir a vista
com a escuridão
do seu encanto
o céu não terá estrelas

Elas estarão connosco
ao nosso lado
doces e prazenteiras

Hoje
nos olhos
das crianças
estão as estrelas
verdadeiras

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Poema

Diz-me o que quero ouvir
mas sem pressas
sem rodeios
Di-lo antes que amanheça
e o orvalho
chore por nós

Diz-me o que sentes por mim
quando te acordo
quando te abraço
e deixa que as palavras
ganhem forma
no manto
do teu regaço

Eu ouvirei
o que disseres
pois é no silêncio
que me satisfaço

domingo, 23 de dezembro de 2007

Rufus Does Judy At Carnegie Hall, thanks God!


Este é o único presente de Natal que sei de antemão que vou ter. E isso conforta-me, não o nego. Trata-se de um duplo cd do genial Rufus Wainwright recriando a célebre noite de Judy Garland no Carnegie Hall, em 1961. Agora é ele que reinventa o lendário show, e quem assistiu ao seu último concerto no Coliseu dos Recreios, sabe bem do que falo, pois Rufus brindou-nos nessa noite com algumas canções do disco, como o incontornável Over The Rainbow, por exemplo. Este disco celebra também um género caído um pouco em desgraça nos tempos que correm: o musical. E se Rufus se mostra competentíssimo nos trabalhos de sua autoria, não há razões para não esperar o mesmo em ralação a este “Rufus Does Judy At Carnegie Hall”. E nunca mais é Natal...

sábado, 22 de dezembro de 2007

O Natal das pessoas más


"Como será o Natal das pessoas más?"
Esta era uma pergunta que me assaltava o espírito quando era criança. Pensava que se o Pai Natal oferecia prendas aos meninos bons como eu, também deveria haver um Pai Natal para os meninos maus, para as pessoas más. A verdade é que ainda hoje acho que há alguma lógica neste estranho pensamento. E talvez seja até possível que exista um Pai Natal mau, cruel, um Pai Natal que tire em vez de dar, ou que, mesmo dando, ofereça coisas terríveis, letais. Seria até bom que houvesse um mau Natal para as pessoas más, em tudo igual ao Natal das pessoas boas, mas ao contrário. Onde se cantasse "I wish you an awful christmas and an unhappy new year..."
Mas o mundo não é assim, definitivamente. E por isso, a criança que antes fui e que hoje tomou de assalto a escrita deste texto, pode deixar de ter ideias e continuar à espera de um mundo melhor do que este em que vivemos.

Poema em segredo

Já quase
não há segredos
nem adianta
fazer de conta
que nada sabemos

O mundo
é de quem o sonha
e de quem o tem
nas mãos

Apenas isso
apenas essa verdade
antes de adormecermos

Um sorriso
é só um instante
e os segredos proferidos
serão de todos
amanhã

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Acordar sublime


Hoje, por volta das 8 da manhã, dei comigo enfiado na cama, às escuras, de iPod nos ouvidos, a deliciar-me com um disco intemporal. Volta e meia vou repescá-lo ao fundo de catálogo das minhas audições e pasmo!!! Que disco bonito! Que obra maravilhosa, tão frágil, tão simples e tão verdadeira nas histórias que conta! Estas canções contam histórias, enredos entre pessoas como nós e isso é cada vez mais raro. Quem pode resistir a The State I Am In (sublime), a Expectations (sublime) e a We Rule The School (também sublime)? Todo o disco é sublime. Já para não falar na capa, outra obra-prima de bom gosto e ternura. O disco é dos Belle and Sebastian, e como se diz na contra-capa, "They've called it TIGERMILK".


* a senhora da capa dá pelo nome de Joanne Kenney e a foto foi tirada por Stuart Murdoch, o lead singer dos Belle & Sebastian

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Nós e os outros


Como naqueles puzzles antigos que encontramos nos sótãos empoeirados das casas dos avós… Como na memória que temos tirada da poeira do tempo das nossas recordações…

Cada vez acredito mais que nesses puzzles, nessas memórias, faltam sempre peças e muitas vezes esse vazio, essa falta, somos nós. Nós já lá não estamos, já não fazemos parte desse filme antigo das nossas vidas. Somos agora protagonistas de outros enredos. Mas quando voltamos um pouco atrás, está lá quase tudo. E escrevemos com os sentimentos da memória para conseguirmos sobreviver ao tempo que já não existe. Pode existir a bola, o pião que ainda roda, o baloiço improvisado feito de corda e árvore, o riso sempre fresco e nítido dos amigos, as vozes dos amigos, a imagem dos amigos. Mas nós, nós já só existimos nos sentimentos dos outros.

Gostos e desgostos

Gosto de acordar e de ser acordado pelos meus filhos. Gosto dos meus filhos mais do que gosto de viver. Gosto de quem os fez nascer. Gosto de dias de sol e acho que devia ser sempre verão todo o ano. Gosto de calor. Não gosto do tempo que o inverno demora a passar. Gosto das folhas do tapete do outono no chão da minha rua. Gosto da minha rua mais do que das outras ruas. Gosto do que faço. Gosto cada vez menos de carne e cada vez mais de peixe. Gosto do sabor de certas águas. Gosto de frutas sumarentas e de descascar tangerinas com as mãos. Gosto de janelas grandes com vista para o infinito. Gosto de pensar que o infinito pode estar ao alcance da vista ou da mão. Gosto de repetir frases. Gosto de repetir frases. Gosto de ter amigos e de pensar que gosto ainda mais deles do que eles de mim. Gosto de encontrar amigos que já não via há muito tempo. Gosto de música. Gosto muito de música. Gosto tremendamente de música até ao ponto de me fundir com ela. E de livros. Do prazer táctil dos livros e do cheiro que têm. Não gosto das tardes de domingo. Gosto do momento em que me cantam os parabéns. Gosto de pensar que fui feliz enquanto criança. Não gosto de saber que certas pessoas de quem gostava muito nunca irão poder ler este texto. Gosto de escrever. Nem sempre gosto do que escrevo. Não gosto quando certos textos acabam.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Poema

Por ser inverno
e estar frio
busco o conforto
da pele
que se molde à minha

Acende-se o fogo
incêndio fatal da existência
e seguro a chama
que nos aquece
assim

Depois
já só é inverno
fora de mim

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Espreitar para lá da vida


Ai, os mistérios da vida!!!
Quando era bem miúdo, a vida escondia-me coisas que tinha à mão de semear: o que estava por baixo das saias da minha prima Carlota - mais crescida e sinuosa de modo a me agradar até à exaustão -, os decotes profundos da minha prima Carlota, a pele nívea das mãos da minha prima Carlota quando me pegava ao colo e acariciava os nove anos da minha existência. A minha prima Carlota era o centro do meu mundo e pouco mais havia de interessante para além dela.
O tempo passou e eu cresci, tenho outra idade e hoje pouco me interessa o que esconde a roupa de quem passa por mim.
Os mistérios do mundo ganharam outras dimensões. Hoje vivo espreitando a vida, suspeitando dos seus caminhos, tentando perceber o que ela esconde.
A minha prima Carlota já deve saber tudo sobre o assunto!
Agora é Deus que deve andar de olho nela...



*esta imagem foi retirada do site http://olharmacro.blogspot.com/

Poema do amor que chega

Sentado
num qualquer canto
do mundo
quieto
sem respirar

Ao longe
o aviso dos teus passos
a sirene
dos teus olhos
a dança
da tua voz
nos meus ouvidos

E é quando chegas
que começa
a tontura dos sentidos

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Poema dos instantes do amor

Para amar
basta um minuto
um só segundo
mínimo instante
dos momentos
deste mundo

Para amar
só é preciso
respirar fundo...



* este é o centésimo primeiro poema que deixo nas páginas deste blog!!!
Nunca mais tenho juízo...

As janelas do poema

A minha casa
tem janelas para o mar
e as paredes
são do branco dos nevões

Vê-se o mundo lá ao longe
só à distância do olhar

Na minha casa
corre um rio
onde lavo a minha cara
quando quero despertar

E se a noite
chega fria
sem tampouco me avisar
não me importo
porque sei
que a minha casa
tem janelas para o mar

domingo, 16 de dezembro de 2007

Pedaços de vida


Foi à beira-mar. Estava cinzento o dia. Lembro-me que quase chovia. Lembro-me porque percebi nesses instantes que lágrimas e chuva são água apenas. Água que tudo lava, que tudo limpa.
A minha vida havia sido destroçada. Sentia que as marcas desse naufrágio não desapareceriam facilmente. Só que era preciso esquecer depressa, seguir um caminho novo, ter asas para outros destinos...
Entretanto, enquanto o mar brincava com o que restava de mim, provocando-me, tocando-me nos pés para que o frio das águas me despertasse do pesadelo recente, um pássaro bicava pedaços que o mar não quisera. E, nesse momento, lembro-me de ter sorrido perante tão bela metáfora da vida.


* esta imagem foi retirada do site http://bocadosdetudo.blogspot.com/

Poema ao deitar do dia

Assim
nus
entre os lençóis
as palavras
estão em carne
e os meus dedos
são anzóis

sábado, 15 de dezembro de 2007

Cê viu?


Agora já podemos recordar aquele que foi um dos melhores concertos que Portugal viu este ano. Está cá todo, na íntegra. E a espera valeu bem a pena. Filmado com pormenores de imagem encantadores, este show mostra-nos Caetano Veloso em muito boa forma, andando pelo rock com uma ligeireza fantástica, mas também pelas canções de banco e violão como só ele sabe fazer. O génio não tem limites e isso é bem visível aqui.
O Natal tem mais gosto assim.


* os extras do dvd são igualmente a não perder.

Poema

Pudesse a vida
ser isto:
os traços claros
do teu rosto
em linhas alvas
e esguias
e um par
de rosas
nas mãos
para te entregar
todos os dias

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Poema dos últimos dias

Nos últimos dias
celebrarei a vida
com a voz límpida
da memória
dos afectos

Nos últimos dias
espalharei palavras
para acordar
a noite
nos meus olhos

E assim
levarei para sempre
as madrugadas
dos instantes
incompletos

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Poema

Que ardência é esta
que me queima o corpo

Que silêncio é este
que emudece os tempos

Que loucura é esta
que respira em nós

E nos deixa juntos
unidos
e sós

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Encantamento

Os teus olhos
brilham mais
quando anoitece

E no momento
em que nos vemos
acendemos juntos
a chama
insana
dos encantos

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Poema para o frio do Natal


Hoje
Na luz intensa
das palavras
sente-se o aroma
dos pinheiros
e o frio ganha
contornos cintilantes
de cristal

Hoje
enfeitei
as nossas vidas
com promessas
de Natal

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Fernanda Takai


Chegou-me aos ouvidos mais uma pérola vinda do Brasil! Já há muito que conheço a sua voz. Que me encanta, aliás. Gosto de vozes frágeis, quase tímidas, cristalinas e transparentes. É assim a voz de Fernanda Takai, líder da banda Pato Fu. Agora a solo, com produção de Nelson Motta (sim, esse mesmo, o que lançou Marisa Monte), Fernanda edita Onde Brilhem os Olhos Seus, homenagem a Nara Leão. Neste disco, velhos clássicos de Caetano Veloso, Chico Buarque, Tom Jobim e Vinicius de Moraes entre outros, aparecem com roupagens mais modernas, contemporâneas, envoltas em beats e loops, mas sem nunca perderem o sentido original. É um trabalho de enorme bom gosto!
Quem não conhece esta senhora não sabe o que perde. E continuará a perder se fizer ouvidos moucos do sentido destas linhas.



* duas notas: enquanto vocalista e guitarrista da banda Pato Fu, Fernanda canta uma das músicas mais arrepiantes que conheço. Chama-se Canção Pra Você Viver Mais. O título diz tudo...
E mais isto: reparem na elegância da capa do disco. Um verdadeiro achado com ar retrô e toque de modernidade. Há capas fantásticas, não há?

História de um Natal diferente

Faltavam apenas dois dias para ser Natal. Isso, de certa maneira, incomodava-o. A razão era simples e podia ser dita em duas palavras: estava só. Pela primeira vez na sua vida de adulto, não tinha ninguém com quem comemorar a data que se aproximava.
Ia a caminho da sua aldeia. Pela janela do carro olhava a paisagem e sentia-se parte dela. Lá fora, a neve e o frio vestiam de branco o dia que chegava ao fim, timidamente.
Por vezes - pensava enquanto conduzia -, era preciso abandonar certos confortos e rumar a um destino que sabia ser o seu. Porquê esperar mais tempo e adiar o que tinha como certo? Não valia a pena. Estava consciente disso. Estava até orgulhoso da atitude tomada. Um homem não pode ceder. Nunca.
Preocupava-o o facto de não ter ninguém à sua espera. A solidão pode ser uma noite muito fria. Quem iria encontrar por lá? Ainda se lembrariam dele? Como estaria a Teresa? Nem ao certo se recordava da sua exacta fisionomia. Lembrava-se bem dos seus olhos grandes e brilhantes, poderosos, que o faziam estar acordado noites inteiras. Como seria o encontro, mais de vinte anos depois? Mas que encontro? Nem mesmo sabia se o que pensava agora poderia vir a acontecer. Seria uma enorme coincidência. Alguém, por certo, já a teria levado daquele lugar... Era melhor não pensar nisso.
Daqui a pouco mais de três horas chegaria ao fim da viagem. Estava disposto a abrir os braços ao rumo incerto da vida. E, ao pensar nisso, acelerou mais um pouco.


*esta história será continuada aqui

domingo, 9 de dezembro de 2007

Esquecer a vida


É tão difícil aguentar o peso das horas, o sorriso forçado dos outros, o nosso próprio sorriso ensonado em mais uma manhã que se levanta...
Adormecer seria tão bom! Tão importante!
Mas a vida pega-nos pela mão como se fosse pessoa íntima, da família, com liberdades que não permitimos a ninguém. É assim. Sempre foi assim. Abusa de nós, faz-nos dançar nas suas mãos, morde-nos as rugas da pele, atira-nos para o mundo todos os dias, mesmo que não queiramos.
Por vezes apetecia-me despir-me dela, virar-lhe as costas, pendurá-la numa qualquer parede e esquecer-me que existe.
Talvez assim a vida tivesse o brilho dos astros distantes...


*esta imagem foi retirada do site http://olharmacro.blogspot.com/

Poema

É preciso esquecer
que nas palavras que digo
escondo o perigo
de existir

Quanto ao resto
tudo é limite e prazer

sábado, 8 de dezembro de 2007

Os minutos do fim


As horas custam a passar, mas os minutos parecem custar mais ainda. Não percebo tanta demora! Não há trânsito, a noite está estrelada, a mesa posta, o jantar à espera de ser servido... Sinceramente, não percebo. Recuso-me a pensar que se tenha esquecido. Não pode ser isso. E espero que não seja como da última vez... Ficou quase três anos sem aparecer. "Enjoou", confessou mais tarde. Por isso mesmo, por causa desses enjoos que nunca cheguei a entender muito bem, hoje fiz saladas, coisas simples, sem molhos, porque sei que ele não gosta desse tipo de coisas. Preocupa-se com o peso, com o aspecto...
Vou esperar apenas mais meia hora. Depois, se não aparecer, vou deitar-me e tentar dormir. Já é tão tarde, já passa da meia-noite. É que amanhã levanto-me com o raiar do dia... Mas queria tanto que chegasse!

Poema

É preciso
alguns versos de tristeza
para entender este dia

É assim o tempo
que agora se anuncia

Numa mão a vida
na outra o que nela havia

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Destino por chegar


Agora que a idade já se notava em todos os poros do seu corpo, fazia contas à vida. Nunca conseguira o que sempre desejou: um abraço forte e sentido que a arrastasse para a profunda viagem de um tempo a dois, um tempo de partilha, de cumplicidade, que a passagem dos anos não fez acontecer. Compadecida, mantinha um grão de esperança de o ver chegar, de o ver dobrar a esquina, mesmo que nunca o tivesse visto. Imaginava-o com as formas e as maneiras do seu jeito. Ruborescia quando se entretinha a pensar em momentos mais íntimos, pele com pele, perdida no leito dos sonhos.
Ainda agora, sempre só, prendia o olhar no tempo de o ver chegar. E, sem pressa de antecipar o seu futuro, vestia-se a preceito, arranjava o cabelo e esperava que o destino se lembrasse dela.


*esta imagem foi retirada do site http://olharmacro.blogspot.com/

Poética

Uma pétala de flor
como aroma
do que é dito

E um sentido marginal
no silêncio
do infinito

Este é o poema
a poética final
do interdito

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Poema

Já não vivo
o que sonhei

Hoje sei
que há menos sentido
no que havia
e sei também
que noites quentes
e manhãs frias
não cabem mais
na cama estreita
dos meus dias

Little sad song to three lullaby stars


It's hard to imagine
a night without a moon
without a star

Three stars were up last night
but now they are all gone

Goodbye moon
goodbye stars
au revoir simone

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Bienvenue Simone


É hoje o dia. É hoje o concerto. Hoje, no Santiago Alquimista. A partir das dez da noite, as meninas Au Revoir Simone vão seguramente maravilhar quem por lá esteja. Eu vou estar, como sempre, sentado no palco onde os artistas actuam. Abençoado este espaço alquimista como nenhum outro em Lisboa!
Diz-me quem as viu ontem em Braga, que o concerto foi fabuloso, que elas são lindas de morrer e que são a simpatia em pessoa. E que têm as mini-saias mais envergonhadas do planeta - esta ideia de grandeza já sou eu que adivinho vir hoje a constatar...
E bem de perto, desejo eu!

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Uma voz

Ainda brilham
as lembranças de outros tempos
que ficaram sempre em mim

A estrada é longa
e repleta de mistérios

Mas uma voz de menino
faz-se ouvir
na poeira do caminho

E na berma dos passeios
vai colhendo
as sobras do destino

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

TOPas?

Sempre gostei de Tops: Não tanto pelo que valem, mas pelo que podem proporcionar em termos de discussão de ideias. E gosto, no final de cada ano, de ver os Tops dos melhores discos, dos melhores livros, dos melhores filmes.
Nunca, como agora, tive a oportunidade de fazer e publicar o meu Top e de ouvir os comentários de quem o lê. Aqui ficam as minhas escolhas, na esperança de vir a ler os vossos comentários.

1- Au Revoir Simone: The Bird of Music
(pela simplicidade, pela inocência...)

2- Caetano Veloso: Multishow ao Vivo - Cê
(porque é Caetano, porque é deus...)

3- Devendra Banhart: Smokey Rolls Down Thunder Canyon
(por ser o disco mais tropicalista alguma vez feito fora do Brasil...)

4- Electrelane: No Shouts, No Calls
(porque estas meninas cheiram a kraut, cheiram a rock...)

5- Julian Cope: You Gotta Problem With Me
(because he is a forward thinking mofo...)

6- Nedelle: The Locksmith Cometh
(pela delicadeza da voz, pela beleza etérea das canções...)

7- Panda Bear: Person Pitch
(porque subitamente os anos 60 parecem ter uma face nova e moderna...)

8- Rufus Wainwright: Release The Stars
(porque este homem não se cansa de ser genial...)

9- The National: Boxer
(pela lembrança dos meus anos 80...)

10- Thurston Moore: Trees Outside The Academy
(porque é bom ouvir um disco que cresce até se tornar gigante...)


E pronto. A palavra agora é vossa...


* a ordenação dos discos é meramente alfabética.
** o autor do comentário mais interessante terá um cd gravado por mim onde encontrará 2 faixas de cada uma das minhas 10 escolhas. E era tão engraçado que outros tops surgissem nos blogs que me visitam. Tops de livros, discos, filmes...
Pode ser? TOPam?

domingo, 2 de dezembro de 2007

Com um Ourozinho nos olhos

Com este blog tenho conhecido gente a quem gosto de chamar amigos. Amigos que nunca vi, com quem nunca estive na conversa a não ser pelos posts que vou escrevendo e que vão fazendo o favor de comentar. Tudo isso enche-me de vida, faz-me bem à alma, sabe-me deliciosamente. Mas o que me aconteceu hoje, e escrevo ainda com o coração a bater muito forte por causa disso, não podia imaginar vir a ser possível: encontrei uma das minhas mais antigas amigas!!! A minha querida amiga Teresa Ouro apareceu. Ou melhor, reapareceu. Parece magia, coisa de filme, ficção. Mas não é, e isso devo-o ao meu blog. Abençoado o dia em que timidamente me pus a escrever nestas páginas. E enquanto escrevo estas palavras vou cantando para dentro uma certa canção, alterando-lhe um pouco a letra, porque hoje é assim que ela faz sentido:

" É que hoje refiz um amigo/ E coisa mais preciosa/ No mundo não há".

Um beijo de Ouro para ti, Teresa. E até já...

sábado, 1 de dezembro de 2007

Oh, mon Dieu !!!


O último número da Playboy francesa traz Juliette Binoche. Aos 43 anos de idade, fotografada por Marianne Rosenstiehl e mais bela do que nunca, a actriz que todas as pessoas de bom gosto veneram, aparece nua, dançando.
E nós, nessas páginas, dançamos também.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Poema

Hoje inventei um poema
caminho novo
para chegar a ti

Um plano mirabolante
que imaginei em silêncio
no momento em que te vi

Um jogo revigorante
de palavras como setas
ao mais íntimo de ti

Hoje inventei um poema
feito em sílabas discretas
como as que te deixo aqui

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Razões adormecidas


Hoje restam somente algumas folhas de outono... A natureza desfez-se da grandeza de outros dias e mostrou-se assim, romanticamente adormecida. Apenas o sol revelava nesse dia alguns sinais de esperança. Eu já não a tinha...
Foi ali que as nossas vidas resolveram ter um fim. Ela levantou-se, deu dois ou três passos avaliando neles o silêncio do meu espanto, virou-se para mim e disse algo tão baixinho que não consegui ouvir. Ou não quis, não sei... Eu fiquei quieto, tentando perceber as razões daquele momento. E quando, minutos depois, me afastei daquele lugar, ainda me lembrei de olhar para trás. Foi o que fiz...
As folhas mortas por sobre o banco de jardim eram o retrato perfeito da angústia que sentia.



* esta imagem foi retirada do site http://meialaranjainteira.blogspot.com/

Poema da infância em desalinho


Sempre procurei
ter-te por perto
portão aberto
à passagem do destino

Não é de hoje
esta postura
sem juízo absoluto

Sou assim desde menino

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Poema


Devagar
pé ante pé
sinto minhas
as primeiras horas
do dia

E que importa
se a manhã
está fria
ou se o calor aperta
quando se sente
o dia
que desperta?

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Amantes


Tudo parecia meticulosamente arranjado, a luz na intensidade certa, as árvores em esguias elegâncias, as folhas espalhadas pelo chão em pose de contida negligência, o ar fresco a lembrar um verão fora de tempo. A natureza revelava uma vontade de ser vaidosa como nunca antes vira.
Só mais tarde descobri a verdadeira razão desse encantamento. Quando a noite chegou com os ciumes frios do seu escuro manto, tudo se revelou em mim, instantaneamente: também o dia e a noite se amam e se provocam, apesar de nunca se encontrarem para os prazeres da vida.



* esta imagem foi retirada do site http://meialaranjainteira.blogspot.com/

Poema em risco de colapso

Nem um passo mais
estão sem brilho
as passadas destes versos
em caminhos inquietos
por entre sombras
e pó

Apenas um passo mais
na ideia de um poema
e a ruína será plena
e os destroços reais

Poesia
hoje não te incomodo mais

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Instantes e traduções

* Acordar: a vida faz-se de pequenos milagres

* Infância: restos que ficam no fundo da gaveta

* Era uma vez uma história que não teve vez de começar

* Pé de mulher, adormecido, mostra-se à beira da cama: eterno sonho de Cinderela

* Lábios: pára-choques do desejo

domingo, 25 de novembro de 2007

Poema

Debruçado sobre mim
sobre o papel
concha protectora
do que nasce
na escrita que aparece

A certeza absoluta
redentora
milagrosa

A escrita
é cada vez mais
a minha casa

sábado, 24 de novembro de 2007

Águas claras


Surgiu numa maré de Agosto. Foi a única vez que a vi, naquele dia em que o sol estava de cara alegre, raiando simpatias de verão. As águas claras, transparentes, fizeram-se ainda mais límpidas nesse momento. Tudo se passou com a rapidez de um suspiro, de um sopro de alma. Ainda hoje guardo a ideia de que só eu a vi, real, autêntica, como se de uma miragem se tratasse.
Este é o seu retrato, a imagem que ficou, registada assim. E se ao olharem nada virem, é porque a magia está em mim...



* esta imagem foi retirada do site http://bocadosdetudo.blogspot.com/

Antes do tempo existir


Houve um tempo anterior ao nosso em que tudo era mais belo, mais puro. Tempo em que as estrelas cabiam nas nossas mãos e as podíamos pendurar nas paredes dos nossos quartos, para que quando a noite chegasse, elas nos pudessem iluminar os sonhos tranquilos. Nesse tempo todos sabíamos ser felizes, porque a felicidade era um destino sem desvios, sem barreiras, que só muito mais tarde aprendemos a construir. Lembro-me bem desse tempo: o tempo em que existir tinha a forma estrelada de um sorriso.



*esta imagem foi retirada do site http://olharmacro.blogspot.com/

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Lição


A poesia
não se define
e ai de quem
se aproxime
da sua definição

Definição de poema sim
de poesia não

Certas palavras

São tímidas
certas palavras
num só tempo
prazenteiras e assustadas
com olhos grandes
que nos julgam
sem que saibamos
julgá-las

São assim
certas palavras
tão esguias
elegantes
e educadas
que nos saltam
para o colo
em posições
descaradas

São furtivas
as palavras que procuro
em atitude
pouco exacta
leves
soltas
com breves tiques
de gata

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Nedelle


Este é um ano onde as mulheres parecem ganhar vantagem nos meus ouvidos. No meu top ten de 2007 - que chegará a este sítio com uma surpresa, no mês de Dezembro -, as mulheres estão bem presentes.
Agora é a vez de Nedelle, e uma vez mais cheguei a ela com alguns meses de atraso. Chama-se The Locksmith Cometh, esta pérola feita de sons. São lindas, perfeitas, mesmo quando nem um minuto duram, tão efémeras, tão serenas, tão ao sabor do frio que aí vem, estas canções.
O agasalho da capa diz muito do que é o disco, aliás. E a cara de Nedelle também, com olhos grandes para nos ver melhor, e lábios carnudos para melhor nos embalar nos seus sussuros angelicais.

Poema


Passei o dia
preso à tua imagem
falei contigo
servi-te um cálice
de aromas frescos
e sorrimos

Eu
muito quieto
e tu
(comovidamente)
quieta também

Só quando partiste
fomos mais além

Sobre as águas


Os dias de outono tocam-nos a alma como nenhuns outros. São mansos, enganosos, evaporam-se aos poucos até serem noite. Vestem-se de castanhos lugares e pairam sobre nós, impondo-nos a melancolia dos grandes lagos parados, das águas quietas. Parecem ser o fim da vida!
Foi num dia assim que tudo aconteceu. Olhávamos a valsa das folhas caídas no pequeno riacho ao nosso lado: justapunham-se, afastavam-se logo em seguida, brincavam comandadas pelo sopro invisível da brisa do momento. A tarde mostrava já sinais de algum cansaço, mas a imagem da dança das folhagens enterneceu-nos profundamente. E ali, de mãos dadas, lado a lado, resolvemos que o futuro iria ser absolutamente nosso.



*esta imagem foi retirada do site http://olharmacro.blogspot.com/

Ensinamento

Espera
que o instante
aconteça
e permaneça
em ti
um só momento

Depois
solta-o ao vento

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Poema

A poesia toca-nos
de raspão
faísca solta
no chão da escrita

E deixa em nós
(inocente mas feliz)
a marca esbatida
da cicatriz
que dura
para além da vida

terça-feira, 20 de novembro de 2007

The show must go on ( mas parece que termina aqui...)

Subitamente, pousou o livro em cima da mesa. Olhou para mim num misto de espanto e desassossego. Por fim lá atirou:
- Você desculpe-me, amigo Artur, mas o que é isto?! Estou surpreso consigo! Você marca esta reunião, diz que é urgente, que tem um potencial best seller nas mãos, eu desmarco um encontro importante só para o ouvir e você traz-me isto!!!
- Pois, mas não chegou ao fim da história, ainda faltam alguns capítulos e lá mais para o fim...
- Vai-me desculpar- interrompeu-me -, mas não leio mais uma linha. Isto parece uma coisa de doidos, uma espécie de roteiro sem sentido de um filme do Almodovar ou coisa parecida, feito por um qualquer arménio desmiolado. Já reparou que não há unidade nenhuma nos capítulos que li? E que você também leu, segundo me disse... Não acha que tenho razão? Cada um dos seus amigos escreve à sua maneira e depois, é claro, dá esta salganhada sem pés nem cabeça!
- Claro que li, dr. - disse com os olhos um pouco tombados, reparando na alcatifa gasta do escritório.
- Vamos lá ver: você escreve bem, tem vários romances aqui publicados, é um dos nossos melhores escritores, vende como água no verão, e por isso acedi a este encontro, na esperança de que me trouxesse algo que valesse a pena, percebe? Que desilusão!!! O facto de serem seus amigos os autores desta coisa, deve tê-lo deixado cego, sem juízo crítico, percebe?! Isto não tem ponta por onde pegar.
- É a sua opinião e eu respeito. Parece que vim no dia errado. Lamento, lamento tê-lo feito perder o seu tempo - referi, apreciando agora algumas marcas fundas dos pés das cadeiras como pequenos buracos negros na alcatifa.
- Mas diga-me lá, ó Artur... Quem são estes seus amigos, o que fazem, têm alguma experiência de escrita? Já editaram alguma coisa? É que me parecem tão fracos, tão precários no domínio da narrativa... Olhe, se fosse a si dava-lhes um conselho: que tentassem outra via artística, sei lá... Pintar, fazer fotografia, qualquer coisa. Digo-lhe isto porque me referiu ontem ao telefone que todos eles são gente culta e interessada nestas coisas da leitura, das artes, enfim... Que façam um blog e que escrevam nele! Ainda por cima está na moda e talvez assim ganhem algum traquejo, percebe?!
- Percebo. Aliás, já percebi tudo. Talvez me tenha precipitado, peço-lhe desculpa...
- Ok, tudo bem, não se fala mais nisso. É que até o Bimbo da Costa - é assim que eu gosto de me referir ao animal -, meteram nesta embrulhada!!! E o outro também, o tipo das casas das meninas... Como é que se chama o gajo, que agora não me recordo? - disparou, acendendo um cigarro.
- Pronto, dr. Não o aborreço mais. Se não se importa retiro-me agora. Tenho umas voltas para dar e já vão sendo horas de me por a andar.
- Um abraço, então. E olhe, não vá assim tão cabisbaixo que me põe a mim com problemas de consciência. Que diabo, você já me conhece e sabe que comigo as coisas são ditas na hora, sem rodeios.
- Claro, dr. Claro. Não se preocupe. Um resto de bom dia, então. Com licença...
- Vá lá à sua vida e não fique assim. O texto nem é seu, caramba!!!

Virei costas e saí. No elevador, olhei para o espelho e percebi que estava cheio de olheiras. Quem me mandou a mim meter-me numa coisa destas? Os amigos servem para isto mesmo, eu sei. Mas como lhes vou dar agora a notícia? Como? Vão ficar de rastos! Talvez aquilo dos blogs não seja má ideia. Talvez se interessem por isso, quem sabe...



* para quem quiser ler os textos deste desafio, é aqui que tudo começa...

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Receita para um mundo melhor (brincadeira de criança...)

Uma criança
expira
contra o vidro da janela

Depois
com o dedo
risca o espaço embaciado

E não há forma
mais sublime
de ver o mundo melhorado

Último momento


Há tantas histórias como esta! Que importa a minha, que nem história é? Não deixaram que fosse, que acontecesse... E estou cansado desta existência imposta. Não quero mais a frieza das palavras, a tranquilidade gélida dos dias em ordem, meticulosamente civilizados, assépticos, falsos, inconsequentes...
Houve em mim uma vontade luminosa de existir, de me entregar, lava acesa, sopro de vida incandescente...
E por isso, queria apenas que as últimas linhas desta história - que história é esta que nem princípio tem? -, fossem o rastilho da fogueira impossível que há em mim e um adeus derradeiro antes do último gesto.



* imagem de Catarina Almeida

A lição dos dias

A lição dos dias
que passam
subitamente
se revela:

A vida
tem o sentido
de nos perdermos
nela

domingo, 18 de novembro de 2007

Nocturno


Anoitecia. As luzes do mundo fundiam-se mansamente com o passar das horas. As árvores despidas denunciavam a dieta dos dias, magras, ossos de madeira à mercê do vento. Lá em cima, o manto escuro que Deus dá à noite mostrava-se disposto a cumprir o seu destino.
Eu caminhava sem saber porquê, sem sentido aparente, movido apenas pelo desejo de encontrar o que o dia nos sabe oferecer quando chega ao fim: a imagem perfeita da tradução da vida!



*esta imagem foi retirada do site http://olharmacro.blogspot.com/

Poema

A coragem
dos poetas
não se encontra
nas palavras
isoladas
dos seus versos

A coragem
dos poetas
não se mostra
na grandeza
dos seus anseios
secretos

A coragem
dos poetas
só existe
nos abismos
indizíveis
dos afectos

sábado, 17 de novembro de 2007

Adeus


Agora que as tinha como íntimas lá de casa, agora que os meus dias se acostumaram ao seu balanço, agora que guardava secretamente o desejo de poder vir a vê-las de guitarras em punho num qualquer local do país, agora que mostrava aos amigos a minha mais recente descoberta - mesmo que tardia -, agora que esperava ansiosamente pelo próximo trabalho destas meninas, logo agora que gozava do prazer de as ter como minhas, elas resolveram terminar!!!
As Electrelane já não existem mais. Se elas soubessem da tristeza que me assola a alma, tenho a certeza que reconsiderariam...
Enfim, adeus.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Casa


Também as casas envelhecem. Também o sangue cor de tijolo não resiste às intempéries da vida. Era tão bonita, cheia de sol, de risos entre paredes, de alegrias de crianças que corriam mais depressa do que o vento. Esta era a minha casa. Este foi o berço do que sou. Ainda hoje não percebo porque ficou assim. Porque resolveu mostrar o avesso do que era, porque não quis ficar límpida e perfeita como sempre a vi... Talvez para não me fazer sentir mais velho, para que não olhasse para ela e visse nos seus contornos a alegria de um tempo que findou. Ou talvez porque morre sempre primeiro quem mais gosta de nós.



*esta imagem foi retirada do site http://olharmacro.blogspot.com/

Poema tristíssimo

Diz-me
qualquer coisa
triste
que me faça estremecer
uma palavra
que me turve a vista
e me impeça
de te ver

Diz-me
qualquer coisa
muito triste
algo que não saiba
já de cor
para que assim
se apague o dia
e o mundo
ao meu redor

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Poema


Ver-te assim
deitada
límpida ilha
em abandono
ondas de lençóis
de pele
corpo nu
envolto em sono

Terra em repouso
aninhada
sem receios
e a vontade
urgente em mim
de viver
entre
os teus seios

Bienvenue, Simone


Foi a notícia do dia. Ontem, era já noite, fiquei a saber que a banda Au Revoir Simone vem a Portugal no início do próximo mês. No dia 5, para ser exacto. E o concerto será no Santiago Alquimista.
As Au Revoir Simone são Erika Forster, Annie Hart e Heather D'Angelo. Vivem em Brooklyn, New York. E tocam tão bem, são tão melódicas, tão angelicais, que parecem mesmo figuras de outro mundo.
Daqui a 100 anos farão, certamente, a banda sonora do ceu. Por enquanto, fazem apenas a dança tranquila dos meus dias.



* as Au Revoir Simone contam com dois trabalhos editados: Verses of Comfort, Assurance and Salvation e The Bird of Music.
** lembrei-me agora que seria engraçado irmos todos (nós, os bloggers de serviço) ao concerto, para um copo ao som destas meninas...

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Promessa


Talvez um dia
me enfeite
de palavras
sob a pele
para que o corpo
se mostre
(mestre em jeito
de aprendiz)
ser tela
que o revele
acima do que não diz

Talvez um dia
(quem sabe?)
o corpo ganhe
expressão
para ser
o que sempre quis


*imagem do filme The Pillow Book, de Peter Greenaway

terça-feira, 13 de novembro de 2007

1 imagem… 2 dias… 11 bloggers


Tinha no branco
da tela
o espaço da sua vida
e na extensão
dos seus braços
o olhar louco
do artista

Pintava estrelas
que via
sem saber a luz
que tinham
e as melodias das cores
nos pincéis
resplandeciam

Pintava como se o mundo
fosse acabar
algum dia
e no enredo dos gestos
dos corações em histeria
deixou a alma na tela
no momento em que morria



*este é mais um desafio lançado a vários bloggers. os textos dos participantes podem ser vistos através dos links existentes nos comentários.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Independança


Foi com imenso prazer que li há poucos dias que o primeiro disco dos GNR vai ter, finalmente, edição em cd. Que alegria! Lembro-me tão bem de o escutar, no início dos anos 80, e de ficar maravilhado com o som meio rude do grupo. Na estreia mostravam bem que não eram uma banda fácil. Basta lembrar que o lado B (sim, havia um lado A e outro lado ainda...) tinha uma única faixa: Avarias, com 27 minutos de duração.
Na primeira parte da rodela de vinil podíamos ouvir Agente Único, O Slow que Veio do Frio ou Hardcore (1º Escalão). A festa estava garantida e Portugal passava a ter uma banda rock inventiva, sem medo de arriscar.
A edição que sai a 19 de Novembro tem extras como Portugal na CEE, Sê um GNR e ainda o máxi-single Twistarte. Não se pode pedir mais!
Não serei eu o único a estar feliz, pois não?



* a Valentim de Carvalho, responsável por esta edição, trará a público outros discos que há muito se reclamava: Álibi, de Manuela Moura Guedes ou Qualquer Coisa Pá Música, de Jorge Palma.

Ladainha em jeito de queixa para quem maldiz a vida

...e o futuro
que não chega
que não mostra
o que reserva

e o presente
que não passa
que embaraça
e atormenta

e o passado
que não deixa
que a vida
me aconteça...

domingo, 11 de novembro de 2007

Manhã eterna


Entre amigos as noites fazem sempre mais sentido. Como daquela vez, na casa velha, numa madrugada infinita, entre poemas e beijos (que são, de facto, a mesma coisa, não achas?), juntos uns aos outros no canto da sala, debaixo de uma constelação de pequenos planetas de luz do candeeiro. O instante era de total silêncio. Apenas nos olhávamos, felizes de estarmos ali, presos ao sabor dos pensamentos que nos invadiam a pele em arrepios constantes. Cada olhar, um estremecimento doce e quente. E quando o meu se cruzou com o teu - lembras-te? -, disse, timidamente, os versos que ergueram a manhã:

"Esta noite sonhei oferecer-te o anel de Saturno
e quase ia morrendo com o receio de que não
te coubesse no dedo"



* estes versos são de Jorge de Sousa Braga (Poema de Amor), presentes no livro, De Manhã Vamos Todos Acordar Com Uma Pérola No Cu
** esta imagem foi retirada do site http://bocadosdetudo.blogspot.com/

sábado, 10 de novembro de 2007

Tela do mundo


Sempre soubera o seu lugar no mundo. Seria, talvez, a sua única grande certeza na vida. As cores da terra, o cheiro das folhas, pequenas veias de hera correndo exteriores ao corpo, a seda azul distante e altiva, lá em cima, a fazer de céu o tempo inteiro. Só assim gostava de existir. De estar perto das coisas rasteiras, porosas, terrenas. Era um apelo implacável: deitar-se no chão e ficar ali, estendido, como se fosse terra também. As mãos agarrando ervas, pequenas raízes, restos que a terra nos dá.
Nesses momentos - e esse era o prazer supremo -, sentia fazer parte de uma grande tela pintada por um deus imensamente humano.


*esta imagem foi retirada do site http://olharmacro.blogspot.com/

Teardrop me


Há muito que tinha vontade de escrever algumas linhas sobre este disco. Em 1981, chegava eu a casa depois de mais uma manhã de liceu, quando liguei o rádio e ouvi Passionate Friend.
Não sabia que música era aquela e só consegui chegar a tempo de apanhar o título da canção. Uma revolução havia começado na minha cabeça! Que coisa maravilhosa, moderna, fora do seu tempo! Tinha de saber quem a cantava.
Nesse mesmo dia, depois do almoço, fui até à única discoteca que existia no sítio onde morava e vi, na montra, uma capa de um LP que me deixou siderado... Tão elegante, uma imagem um pouco turva, distorcida, no ponto exacto para me impressionar artisticamente. Entrei para saber que disco era aquele. Gostei, desde o início. Depois, o que aconteceu foi, talvez, um dos momentos mais importantes daquilo que gosto de apelidar de banda sonora da minha juventude... Pelo meio da audição do álbum, Passionate Friend fez-se festa nos meus ouvidos. Nem acreditava no que me estava a acontecer!
Os deuses estavam do meu lado e tinham-me apresentado uma banda maravilhosa: The Teardrop Explodes. O disco era Wilder e eu passei a ser uma pessoa muito mais feliz.

Poema


A vez do amor
a florescer:
línguas como pétalas
de cetim

a minha na tua
a tua em mim



*imagem: pormenor de quadro de Roy Lichtenstein

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Da noite


É melhor
nada sabermos
da noite
quando dormimos

Quem traz
o frio morrente
em escuro manto
deitado?

Quem põe velas
nas estrelas
a servir-lhes
de agasalho?

Quem chora
as lágrimas breves
a que chamamos
orvalho?

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Cinco greguerías & have a nice day

1) As estrelas são as gambiarras da noite.

2) O relógio espreguiça-se, pontualmente, às 10 e 10.

3) O fumo foge do vício do cigarro.

4) Nas almofadas dormem os sonhos por nascer.

5) Rapidamente, o balão fica de estômago cheio.


* este post resulta de um desafio partilhado pelos bloggers presentes nos comentários aqui ao lado, à distancia de um clique. Vale bem a pena conferir.
(uma greguería por dia, nem sabe o bem que lhe fazia)

Os amantes


Depois da ânsia da espera, o dia chegara em todo o seu esplendor. Há quanto tempo esperava pelo momento que estava a minutos de acontecer? Era só preciso mais um esforço, um pouco mais do tempo que se esgotava, minuto a minuto, no desejo de o encontrar. Afinal, os encontros mais não são do que a festa de um instante que acontece e que fica para sempre!
Imaginava o futuro que sentia estar tão perto, ao fim do caminho que percorria, ao alcance de um sopro do coração. E quando chegasse, deixaria que tudo acontecesse, ali mesmo, onde as folhas do chão fazem a cama dos amantes.


* esta imagem foi retirada do site http://meialaranjainteira.blogspot.com/

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Poema

Sabiamente
crescem sem pressa
de crescer

À minha volta
(ou eu à volta deles?)
vão-me ensinando
os dias
para além
do amanhecer

Espanto de serem crianças
vindos do que houve em mim!

E ao olhá-los
guardo nos olhos
alegrias de jardim



* para a Bárbara e Lourenço

Stars have fallen over us last night


"All these poses such beautiful poses
Makes any boy feel as pretty as princes"


* versos da canção Poses, de Rufus Wainwright
** esta imagem foi retirada do site http://blitz.aeiou.pt/

No interior das palavras

O deslumbre do momento
a revelação
primordial

As palavras
em estado puro
virginal
sintonia perceptível
com o seu próprio
respirar

A nudez absoluta
transparente
óssea
celular
em claridade
indescritível

Só por dentro
das palavras
se encontra o indizível

Branca de Neve revisitada


Branca de Neve terá sido, provavelmente, o primeiro amor de papel de muita gente. Teria de voltar aos meus primeiros anos para confirmar se assim aconteceu comigo também. Mas uma coisa é certa, ainda hoje olho para essa personagem com olhos miúdos, de criança embevecida perante tão bonita figura: elegante, etérea, celestial.
Annie Leibovitz é a autora desta imagem. A Branca de Neve é Rachel Weisz - de About a Boy, filme baseado no romance de Nick Hornby, lembram-se? -, que aqui encarna fulgurantemente a candura essencial da personagem, inundada por raios de sol que apenas existem para a iluminar ainda mais. Segundo consta, os animais não são reais. Apenas os coelhos têm vida própria. No entanto, o que interessa é a mistura entre o humano e o transcendente que esta imagem encerra. Branca de Neve em carne e osso, mas também genuína e nívea como boneco animado de sempre. Esta é uma imagem que subverte o tempo e o modo, tornado-se encontro com o passado e assunção dos tempos presentes. Pura e sensual.
Nunca esteve tão bela e fugaz, digo eu como criança que fui. Nunca esteve tão próxima e luxuriante, digo eu com a idade que tenho.


* esta imagem foi retirada do site http://sound--vision.blogspot.com/

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Stars will fall over us tonight


Hoje há estrelas em Lisboa. No Coliseu, melhor dizendo. Rufus Wainwright vai apresentar-nos Release The Stars, disco que não tem tido na crítica o impacto dos dois trabalhos anteriores. Eu gosto do álbum, gosto cada vez mais, a cada audição cresce sempre um pouco mais, e está à beira de se tornar um dos melhores do ano. Se o concerto for tão bom como o último que deu há dois anos atrás, vai ser fulgurante! Desta vez a primeira parte do espectáculo não vai estar entregue a Joan As Police Woman, o que é uma pena. Mas não se pode desejar o céu e o paraíso numa mesma noite estrelada, eu sei.

Poema

Estou aqui
exposto ao frio
branco deste chão
sem receios
sem vontades
semente
plantada em vão

Estou aqui
preso ao que digo
substância em gestação
sem anseios
sem verdades
num punhado de palavras
no lugar do coração

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Medo do silêncio

O susto do silêncio
de não haver
mais o que pensar
o que dizer
o que fazer
com esta escrita
sem raízes

E que destino dar
a estes versos
que apenas querem
ser felizes

domingo, 4 de novembro de 2007

O tamanho do mundo


As grandes cidades fascinavam-no. Recordava com um prazer pouco contido os filmes que viu quando criança: que lindas eram Londres, Paris, Nova Iorque... Mas agora que habitava fisicamente o sonho que sempre tivera, as grandes cidades não eram já as mesmas. Mais turvas, mais ruidosas, mais capazes de o fazerem sofrer. Ou talvez não fosse das cidades, mas da relação que se tem com elas. Tão grandes que nos esmagam, que nos devolvem ao tamanho genuíno: o de sermos pequenas ilhas em forma de gente.


* esta imagem foi retirada do site http://sound--vision.blogspot.com/

Ampulheta humana

O areal estende-se
à minha frente
como memórias em pó

Ajoelhado
com a mão cheia de areia
peneiro o passado
em busca
do que ficou

Passeio no tempo


Um fim-de-semana fora de casa é sempre um momento especial de fuga. Mesmo quando o cansaço do trabalho continua presente, apesar de renegado para segundo plano, tal o desejo de ver novas paragens, outras realidades. Cem quilómetros acima da Lisboa e o mundo parece outro, singular, diferente e implacavelmente nosso. Muito mais nosso do que nos dias vulgares.
Em Óbidos estivemos entregues a uma infância que já não sentia tão presente há muito tempo. Filhos e pais tiveram, naquele preciso momento, a mesma idade. Afinal, viajar no tempo é bem possível...
Do cimo das muralhas do Castelo, a vista é deslumbrante, e percorrer parte desse longo caminho é sentir a vertigem do que se vive com o que em tempos se viveu. No alto da Torre Sul julgo mesmo ter conseguido ver, ao longe, muito ao longe, um menino de feições próximas das minhas, de espada na mão, a acenar, triunfante, para aquele que distintamente o via, naquele exacto momento, três décadas depois.