Caiu o pano sobre a vida de David Bowie. O mundo terá
estremecido, sem que déssemos conta de que qualquer coisa estranha se passava.
Devia estar a dormir, seguramente, mas quero acreditar que uma bonita melodia
atravessou a minha noite, fazendo solto o sono que me embalou.
Depois, já desperto para mais um dia, recebi a terrível
notícia... Era o tal estremecimento
que falava há pouco. Chegou tarde, da mesma forma como eu próprio cheguei a
Bowie, algo tardiamente. É que passei algum tempo a ouvir coisas que só existiram porque Bowie existiu, e não dei conta disso
durante um largo período, desperdiçando horas e horas e horas a ouvir
sucedâneos, em vez de dar valor ao original. Coisas da juventude, de que ainda
hoje me penetencio.
Passei a manhã a dar aulas, e reservei os primeiros minutos
de cada uma para falar de David Bowie. Disse aos meus alunos que eu, que tanto
gosto de ser professor de Português e que não me vejo a ensinar qualquer outra
matéria, gostaria de ser hoje, e apenas hoje, professor de Inglês. Se assim
fosse, passaria as minhas aulas a falar do homem que inventou Ziggy Stardust,
Threepenny Pierrot, The Thin White Duke e tantas outras marcantes personagens
que soube encenar em toda a sua vida. A encenação, o teatro, a vida artificial,
mesmo que coincidente com a verdadeira, foram o palco estético e musical de
Bowie. Foi aí, nesse limbo entre o que existe e o que queremos que exista, que
David Bowie soube viver, e viveu uma vida cheia, com toda a certeza. Eu
continuarei a viver a minha parca vida, agora sem ele, mas sempre com ele
também. Passaremos os dois, como neste preciso momento, a ouvir o que nos
deixou, lado a lado. Umas vezes em silêncio, pensativo, outras de forma mais
enérgica, quase rebel rebel. Nunca mais
me atreverei a deixá-lo longe de mim por muito tempo. Até porque já tenho idade
suficiente para perceber que a eternidade é uma mentira, sobretudo para alguns. Para
Bowie, ao contrário, a eternidade não
terá fim.