É sempre outubro quando chegas, ou quase sempre, nem me lembro bem, os outros livros encolhem-se na prateleira para te receber numa dieta instantânea e anual, mas primeiro são as minhas mão que te suportam, eu deitado a ler-te, o peso do texto a afundar-se no meu corpo, a crescer por dentro de mim um cansaço que já conheço há tanto tempo sempre que é outubro, um cansaço bom quando começa a passar, quando os capítulos passam com as páginas que vão ficando até ao fim, as vozes que crescem na cabeça de quem as escuta, eu deitado a ler-te, os livros a encolherem-se na estante no ritual a que os obrigas todos os anos, e ainda bem que é outubro António, outubro é o meu mês também e vejo nisso uma circunstância que nos une, ao mesmo tempo que as vozes crescem e se afundam, desta vez um irmão surdo, um outro que as marés levaram, os tempos que só se confundem se o leitor deixar, uma velha casa de praia, a mesma guerra que conheço desde rapaz quando li, maravilhado, as asneiras mal comportadas das tuas memórias de elefante, e são de novo agora as minhas mãos que te seguram, que vão virando as páginas uma após outra, e é mentira quando dizem que é sempre o mesmo livro que escreves, até porque não somos sempre os mesmos leitores António, e isso que importa agora que é outubro e chegaste uma vez mais, é quase sempre outubro quando chegas, eu sei porque te conheço há anos, há anos que a tua voz se afunda nas minhas mãos que te seguram, deitado na cama, para sustentar melhor o peso das palavras que em outubro nunca faltam.
1 comentário:
ALA havia de gostar (e muito) de ler este apontamento de profunda ternura.
Brilhante.
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