A nova canção francesa é muito pouco conhecida e divulgada em Portugal. Lamento que assim seja, uma vez que nomes de qualidade não faltam por lá. Lamento ainda que nem mesmo a nossa maior loja de consumo cultural (que é de origem francesa, como sabemos) lhe dedique um espaço minimamente digno. Enfim, c’est la vie…
No passado dia 26 de novembro, Vincent Delerm publicou o seu quinto disco de originais. Chama-se Les Amants Parallèles, e é uma pequena delicia sonora, um frágil objeto de encantamento, sedutor como só os franceses sabem ser. Mas é, ao mesmo tempo, enigmático também, cinematográfico e conceptual. Poderia ser uma banda sonora de uma curta metragem, mas não é. Traz dentro dele (ou serei eu que transporto dentro de mim, não sei…) o charme do imaginário da nouvelle vague, piscando o olho a certos ambientes românticos de Truffaut, por exemplo, ou mesmo de Godard, se atentarmos bem na capa do álbum. Olhando para Les Amants Parallèles, vem-me imediatamente à memoria o cartaz do filme Vivre Sa Vie, em que um casal se abraça (Anna Karina está linda como sempre), havendo um toque de fumo no ar, para tornar a imagem ainda mais cool. A capa do novo disco de Delerm é o avesso do cartaz do filme de Godard, sem fumo, vendo-se apenas o rosto do cantor. O fundo é todo branco, e o lettering vermelho acentua o conceito romântico do álbum.
Na verdade, o disco é um filme, uma história em 13 fragmentos dispersos no tempo (à boa maneira de alguns maneirismos nouvelle vagueanos) que revelam a vida em paralelo de um homem e de uma mulher. Nos versos da canção que dá nome ao disco, pode ouvir-se o seguinte: “Et nous vivons en parallèle / Et la ville nous sépare un peu / (…) / Parallèles / A côté / Dans Paris nos corps parallèles / Pás les mêmes / Pas mélangés / Pas loin et à côté quand même”. Há momentos de diálogo entre canções, e há canções superlativas, curtas, breves como certas cenas de filmes em que o interesse maior está, não no que se mostra, mas antes naquilo que não se revela completamente. Les Amants Parallèles é, todo ele, estilo. Atrevo-me a dizer que é uma obra em tempo de maturidade, embora Delerm tenha apenas 37 anos. Este disco parece trazer um novo Delerm, mais seguro das suas capacidades, mas ainda com um ou outro maneirismo antigo, como o seu tão conhecidoname dropping. Desta vez é (apenas) Joe Montana, antiga estrela de futebol americano, a merecer maior referência. Mas também são mencionados os nomes de Mia Farrow, no filme Rosemary’s Baby, Johnny Marr, os Charlatans e a famosíssima Haçienda. Antes, como saberão os conhecedores da sua obra, foram vários os nomes visitados, como “Veruca Salt et Frank Black” (título de uma canção do magnífico Kensington Square, em si mesmo um título referência), Anita Pettersen, Fanny Ardant, Charlotte Carrington, Christophe Lambert, Jean-Huges Anglade, Bukowski, Shakespeare, Trintingnant, Steffi Graf, Francis Poulenc, Alessandro Scarlatti, Cure, Duran Duran, Joy Division, 10.000 Maniacs, Boris Vian, Vivement Dimanche (o filme de Truffaut), Disneyland, Opel Vectra e outros que a minha memória, de momento, faz por esquecer.
O disco conta com a participação de duas vozes femininas (Rosemary Stanley e Virginie Aussiètre), que acompanham o registo semi-cantado / semi-falado de Delerm, num tom sempre íntimo, sempre cosy e acolhedor. Não se encontra por aqui uma única canção orelhuda (a canção título talvez seja a que mais se destaca, quand même), embora todas sejam talhadas com o máximo rigor e elegância. É uma obra digna de um artesão! Os arranjos de Clément Ducol são sublimes, de uma intensa melancolia, e os quatro pianos, previamente trabalhados para soarem de forma diferente, são os únicos instrumentos usados no disco. Tudo é tocante, sensível e inteligente. Tudo é simples e sem truques. Nada mais importa, para além dos sentimentos que o disco evoca. Apenas a transparência dos sons, das conversas, das palavras em sussuro. Vincent Delerm oferece-nos um disco ímpar, como já poucos se fazem, nos dias que correm. E por tudo isto, a melancolia nunca foi tão apetecível como em Les Amants Parallèles.
* texto publicado no blog Altamont
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