“si las palabras se atraen que se unan entre ellas y a brillar”
A música que se faz aqui ao lado, na vizinha Espanha, está cada vez mais presente no Altamont. Por aqui já passaram Antonio Luque e o seu projeto Sr. Chinarro (mais do que uma vez, até), Migala, e chegou hoje o momento de dar-vos conta de uma banda catalã (quase) totalmente desconhecida por terras lusas, o que é uma pena. Já com vários anos de carreira e glória recente, os Love Of Lesbian apresentam-se no topo da sua forma com este El Poeta Halley, fresquíssimo trabalho de longa duração que começa a marcar pontos logo pelo objeto físico (duplo vinil ou cd-livro), mesmo antes de ouvirmos o que nos traz dentro. E o que nele podemos escutar é um disco denso, complexo, pouco amigo de escutas apressadas, mas que mesmo num primeiro contacto nos prende através de algo difícil de explicar. As melodias, as canções nada radio-friendly (poucas são as que têm os três minutos e meio da praxe, havendo-as com seis, sete, e mesmo quase dez minutos), as letras crípticas deste disco, tudo parece não ajudar ao agrado final, mas o engano é redondo: El Poeta Halley é, para mim, a primeira grande surpresa deste ano! Tenho-o ouvido em repeat, num constante loop que me foi ajudando a perceber melhor o que o álbum tem para oferecer. Poderemos estar na presença, salvo o eventual exagero que nunca será grande, do primeiro disco indie literário da história da música.
O trabalho que aqui vos trazemos encerra algumas temáticas. A infância, por exemplo, eterno retorno dos adultos que tentam fugir à sentença do tempo, é um dos pilares maiores desta obra conceptual. É nesse farrapo de memória que se funda a grande viagem que El Poeta Halley propõe realizar. Temos sonhos, fantasmas, drogas, temos musas inspiradoras, uma extensa narrativa envolta em música. E temos, sobretudo, um objeto sonoro que dá que fazer, que nos desassossega, que exige uma entrega paciente por parte de quem o coloca a rodar.
El Poeta Halley vem de longe e conta-nos uma história: “¿Qué os puedo contar de la leyenda del aire / el indomable e inolvidable Halley Star? / Fue mi gran invención / pero no ha vuelto más a buscarme / adivinando antes que yo mi deserción”. É assim que o disco se inicia, de forma tranquila, para ir, aos poucos, ganhando uma forte pulsação de guitarras. A voz forte de Santi Balmes guia-nos por todo o disco, espécie de referência e ponto seguro que vamos seguindo enquanto conta e canta as aventuras de Halley Star. E assim, vamos por “Bajo El Volcán”, single de avanço do álbum, planeando “En Busca Del Mago” e por “Océanos de Sed”, “Psiconautas” estranhos no espaço musical e sideral que os Love Of Lesbian promovem com total mestria e segurança. Por entre as treze canções do disco há (como dizer de outra maneira?) um fogo lento, um lume brando que confere união a todo o álbum. E há também, obviamente, grandes e insinuantes canções como “Planeador”, a já referida “Bajo El Volcán”, “Los Males Pasajeros” (que delícia ouvir o verso “Todo eso se irá, huirá, fluirá, caerá, se irá” delicadamente cantado por Santi Balmes), a bela “En Busca Del Mago”, a tranquila “Canción de Bruma”, até que, na reta final do disco, surge “El Poeta Halley” com Joan Manuel Serrat recitando, na segunda metade da canção, o poema “Epílogo”. É assim que termina este último trabalho dos Love Of Lesbian, quatro anos depois do duplo La noche eterna. Los días no vividos.
Para além das canções que aqui podemos ouvir, algumas dúvidas foram ganhando forma na minha cabeça: como compreender este El Poeta Halley? O que quer ele dizer, de tão denso de significações metafóricas e simbólicas? Talvez não seja boa a pressa de respostas mais óbvias, mas este artigo tem de ter um fim, e por isso não me parece absurdo definir o disco como um momento de grande introspeção poética, uma viagem ao interior do ser inventivo, tão divisível que se reparte por sonhos de personagens que são, ao mesmo tempo, o corpo do seu próprio criador. Como se a surpresa da descoberta do que fomos fosse agora mais do que um mero resíduo, um lastro tímido que se recuperou até ser de novo voz. El Poeta Halley representa, assim, um espaço onde a palavra (e a música, claro) ocupa o centro da criação. E, nesse sentido, a palavra é, ao mesmo tempo, a ordem que desencadeia a desordem dos encontros inesperados, e a força motriz que unifica todo o processo de criação.
* texto de minha autoria saído no site Altamont - Music For The Music Generation
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