quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Para não dizer Adeus

Gosto tanto quando as páginas me levam, as palavras em desfile à minha frente, eu outra vez a pensar que é desta que morro de amores uma vez mais, e noto (sem querer) que ainda me falta tanto para escrever assim, tantas vidas ainda para encontrar quem me comova na medida certa, sabendo que prometes silenciar a voz que leio agora, que prometes estar para breve, mas eu sei que ainda não chegou esse tempo quando viro mais uma página e a voz ainda existe, ainda lá está, ainda me pega pela mão, ainda me faz festas na alma como se fosse apenas eu a existir, tu a queres calar a voz, eu a escutá-la agora enquanto escrevo, eu sem conseguir dizer o que pretendo, tu sem pretenderes nada e a dizeres-me por inteiro, que coisa é esta que acontece e me comove ao ponto de uma lágrima, logo a mim que não gosto de chorar quando estou feliz, logo a mim que gosto tanto quando as páginas me levam para tão longe, que coisa é esta que parece ser magia, que parece conhecer-me desde sempre, mas nós nunca nos conhecemos António, nunca nos encontrámos noutro sítio senão aqui, neste cenário branco em que me encontro, ou em que te encontras, já nem sei, já estou perdido, já não pareço capaz de outra coisa que não seja virar mais uma página, escrever mais uma linha temendo que cumpras a promessa que fizeste tantas vezes já, lembrando que foram tantas as vezes em que me levaste por caminhos que são agora mais meus que teus, percebes, percebes a incongruência disto que te digo António, percebes que só quero que continuemos a encontrar-nos, que continuemos a virar páginas, autores de uma qualquer voz que sendo tua e minha não parece ser de ninguém, que sendo também minha não a reconheço por mais que isso me custe, seria preciso viver tantas vidas para escrever assim, e eu bem tento, e eu bem me esforço, e eu que gosto tanto quando as páginas nos levam (eu e tu) até aos abismos das vozes que nunca se calam, pois não, que nunca se calarão, pois não António, embora vá ficando tarde eu sei, embora tudo se esgote com o tempo eu sei, embora tudo tenha um fim, como o virar de uma página deixando outra para trás, como uma linha que se escreve para esquecer a anterior, tudo para morrermos de amor uma vez mais, tudo para vivermos este amor uma vez mais.

* este texto vem a propósito da crónica Adeus, de António Lobo Antunes, publicada na revista Visão, a 25 de outubro de 2012

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