terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Uma estrada sem sentido

Um dia destes sairei à rua com o entusiasmo que tinha há muitos anos, e que se perdeu como se perde alguém ao virar uma esquina. Talvez assim as surpresas sejam outras, não as de sempre, não as comuns, antes aquelas de que me lembro tão bem, uma colega bonita, um passeio a dois, uma sessão no São Jorge depois de uma viagem a fugir dos picas, na linha de Sintra. Ao virar a esquina serei quem sempre fui, uma vez mais, os John Smith azuis nos pés, as calças de ganga gastas, a t-shirt branca com letras que diziam GREEN no branco do tecido e de que me lembro tão bem, logo eu que sempre fui RED, clubisticamente falando. Um dia destes aventuro-me a ser um bocadinho mais feliz, e a jogar à bola uma tarde inteira sem querer saber da hérnia que me atormenta tantas vezes, saio determinado a comprar um LP que ouvi na rádio com o dinheiro que poupei evitando palmiers e outras delícias da Gramel, essa mítica casa que vendia sonhos no Monte Abraão em forma de massa folhada, doce de ovos e açúcar por cima. Depois, ao princípio da noite, regressarei a casa fazendo o caminho inverso, pelas mesmas ruas, e cruzarei de novo a esquina que me devolverá ao que sou hoje. Despedir-me-ei da colega bonita, porei a t-shirt para lavar, e antes de descalçar os ténis pegarei na bola, triunfante, chutando-a até a perder de vista, mas com a certeza que alguém, com uma t-shirt branca e ténis azuis, a apanhará, vinda do alto como se viesse de um outro tempo, e a colocará no centro do campo para que um novo jogo possa começar.

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